Revista Væranda

Nos ultimos 30 anos as taxas de violência contra as mulheres aumentou de maneira drástica na Abya Yala toda. Só no ano de 2019, 1.376 feminicídios foram perpetuados no Brasil em específico. Os tribunais impuseram sentenças criminais em 287 casos de feminicídio em 2018, o que é só 27% dos casos. Isso destaca o problema da impunidade que existe no país, que apesar do fato que os homens assassinam constantemente as mulheres, eles raramente experimentam as consequências de suas ações. Ainda mais, 89% dos feminicídios foram perpetuados pelo parceiro ou ex-parceiro da vítima. Assim podemos ver como esta violência é comum demais dentro das famílias e relações íntimas. Além da violência íntima, a violência na esfera pública é extremamente comum com 97% das mulheres sofrendo assédio sexual no transporte público, em táxis ou durante o uso de um aplicativo de carona (U.S. Department of State, 2021).

Em resposta a esta violência muitas mulheres se mobilizaram para erradicar as condições injustas do Brasil. Isso tomou a forma de protestos e manifestações como aquelas do ano de 2018 durante o movimento de #Elenão. Nestas propostas e manifestações as mulheres se unem para a erradicação da violência normalizada e institucionalizada ao mesmo tempo exigindo justiça pelos abusos já perpetuados. Por meio desses movimentos, surge a música feminista que criou uma plataforma para o ativismo contra a opressão e a favor da libertação das mulheres. Esta música é composta por diferentes gêneros musicais, mas que comunicam as mensagens centrais da educação, do empoderamento coletivo, e da reinvenção de um mundo melhor (feminista).

Um aspecto importante desse movimento musical é o efeito educacional e descritivo das canções que estão sendo produzidas. A grande maioria da música caracterizada como feminista inclui conteúdos que educam ou informam a ouvinte sobre as condições de vida da mulher em Abya Yala. Isso ocorre por meio de relatos anedóticos de violência, como histórias pessoais ou jornalísticas. Por exemplo, na cancao, 100% Feminista, as artistas MC Carol e Karol Conka falam das suas experiências com violência doméstica como crianças.

“Presenciei tudo isso dentro da minha família

Mulher com olho roxo, espancada todo dia

Eu tinha uns cinco anos, mas já entendia

Que mulher apanha se não fizer comida

Mulher oprimida, sem voz, obediente

Quando eu crescer, eu vou ser diferente

Eu cresci”

Usando a música elas comunicam suas experiências com violência doméstica, se recusando a manter silêncio destas condições. Normalmente estes temas estigmatizados não se falam fora da família, mas MC Carol e Karol Conka centram sua música nesta experiência fazendo que o ouvinte tenha que confrontar as condições de violência diretamente em vez de isolar estas experiências na esfera privada. Além do mais, elas expressam explicitamente que não ficaram caladas e até falam que elas vão ser diferentes das mulheres oprimidas e obedientes, denunciando a norma do silêncio das mulheres.

Além disso, por meio da música feminista, ativistas estão buscando mudar essa narrativa e transformar as condições de ser mulher no Brasil. Essas músicas são usadas para exigir os direitos das mulheres e melhores condições de vida, bem como para capacitar as mulheres a se defenderem. Podemos ver isso na canção de Pitty, Desconstruindo Amélia, onde descreve as expectativas para a mulher brasileira e promove a desconstrução destas normas que deixam as mulheres em desvantagens. Pitty diz:

“Ela foi educada pra cuidar e servir

De costume, esquecia-se dela

Sempre a última a sair

Disfarça e segue em frente todo dia até cansar

E eis que de repente ela resolve então mudar

Vira a mesa, assume o jogo, faz questão de se cuidar

Nem serva, nem objeto, já não quer ser o outro

Hoje ela é um também.”

Neste modo, Pitty enfatiza a importância de mudar as concepções do que a mulher pode ser. Ela deixa claro pela ouvinte que não precisa se conformar a normas sexistas e continuar diminuindo seu próprio valor. Ao contrário, promove a libertação da mulher para que a ouvinte saiba defender o seu lugar e o seu valor.

Solidariedade também é um tema importante na música feminista, já que muitas mulheres usam a musica para criar conexões e dessa maneira criar movimentos poderosos para a mudança. Na canção “Assediadas,” escrita por Vera Veronika, 16 mulheres colaboraram para fazer esta peça de arte. Cada uma contribui com um verso de rap que comunica mensagens de suas experiências como mulheres brasileiras e criticam as condições de violência de gênero no país. Através da música estas artistas criam um colectivo empoderado que dá força à luta já que expressa que todas essas mulheres estão unidas e ninguém fica só. Esta canção é uma colagem de diferentes formas de arte, argumentos, e exemplos de violência que se unem para criar a mensagem central de erradicar assédios nas calles do Brasil todo.

No final, o tema central para o qual todas as canções apontam é a criação de um mundo novo, justo e feminista. Estas artistas traçam caminhos para o progresso e uma visão de um mundo transformado que é seguro para mulheres e meninas. Kell Smith enfatiza esta ideia na sua canção Respeita as mina, ao cantar:

“É pra acabar com o machismo, e não pra aniquilar os homens

Quero andar sozinha, porque a escolha é minha

Sem ser desrespeitada e assediada a cada esquina

Que possa soar bem

Correr como uma menina

Jogar como uma menina

Dirigir como menina

Ter a força de uma menina”

Nesta canção ela explica que no Brasil é preciso ter mais respeito pelas mulheres e as meninas para que seja possível para elas serem livres. No mundo ideal, como é descrito por Smith, as meninas têm a liberdade de escolher e de fazer o que quiserem sem ter medo de experimentar violência.

Além disso, o grupo Francisco, el hombre, usa sua música para promover a desconstrução das atuais condições de vida das mulheres na esfera privada, mas também se traduz no espaço público. Eles mencionam que a mulher tem que “queimar o mapa, Traçar de novo a estrada, Ver cores nas cinzas, E a vida reinventar.” Elas mencionam que por mais dolorosa que seja essa mudança, é importante saber que ela é necessária de qualquer maneira.

Através destes temas podemos ver o impacto desta música que não é só entretenimento, e mais bem se converte em uma ferramenta para desconstruir a opressão da mulher e promover pautas feministas.

Diana De La Torre Pinedo

Diana De La Torre Pinedo

Student

Oi! Meu nome é Diana De La Torre Pinedo! Eu sou estudante de sociologia e estudos latino-americanos na universidade de Rice. Eu nasci no México, mas depois dos 4 anos cresci no Texas. Quando cheguei na Rice eu não sabia nada de português e pouco do Brasil, mas depois de 3 semestres de aulas com a professora Hélade Scutti Santos aprendi muitíssimo da linguagem e da cultura e sociedade brasileira. Para minha tese eu escrevi sobre o tema de música feminista na América Latina toda, mas na aula de Hélade eu tive a oportunidade de aprofundar minha aprendizagem sobre o movimento e a música feminista no Brasil em específico.

Hélade Scutti Santos

Hélade Scutti Santos

Professora de português na Rice University

Meu nome é Hélade Scutti Santos. Sou brasileira e professora de português na Rice University. Estudei Letras na Universidade de São Paulo onde também fiz meu mestrado em aprendizagem de espanhol como segunda língua. Dei aulas de espanhol por vários anos em cursos de língua e no curso de letras da Universidade Federal de São Carlos. Vim para os Estados Unidos em 2007 para fazer meu doutorado em aquisição do português como terceira língua e comecei a trabalhar na Rice em 2014 como professora de espanhol. Mais recentemente tenho tido o imenso prazer de dar aulas de língua portuguesa para falantes de espanhol e de cultura brasileira.
 
 
Diana De La Torre Pinedo foi minha aluna no curso “Brazil: culture and society”, no qual abordamos diferentes aspectos políticos, sociais e culturais da história recente do Brasil, desde o início dos anos 2000 até os dias atuais. O texto mostra claramente a conexão entre manifestações artísticas e culturais e as transformações sociais que o Brasil vem atravessando e o fortalecimento das vozes femininas e da comunidade LGBTQ+ na cultura nacional.