Um tema muito interessante e que ganhou ainda mais relevância na justiça brasileira a partir do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) são as formas consensuais de solução de litígios e seu uso cada vez mais recorrente nos conflitos judicializados. Há de se destacar, entretanto, que estamos imersos nesse universo de resolução amistosa dos conflitos desde nossos primeiros passos de socialização, momento em que já nos deparamos, ainda que de forma genuína e não sistematizada, com maneiras consensuais para resolver nossos embates diários.
Exemplo disso é quando estabelecemos ainda durante a infância um pacto com nossos pais em que o objetivo é atingir uma nota melhor ou fazer aquela árdua tarefa de matemática em troca daquele doce ou brinquedo que tanto desejamos, ou em situações mais complexas de nossas vidas, sobretudo as que nos atingem na fase adulta; nós buscamos, invariavelmente, resolvê-las de forma amigável.
Todavia, com o decorrer do tempo, esses métodos amistosos que doravante denominaremos meios autocompositivos são deixados de lado em prol de formas que buscam o enfrentamento, a disputa, ocorrendo, consequentemente, um processo de apagamento da nossa capacidade de resolver nossos próprios conflitos, à medida que os mesmos também se tornam mais complexos. Nesse sentido, as partes envolvidas deixam de ter o protagonismo e a solução do conflito passa a vir de um terceiro, exógeno ao caso concreto, como o exemplo de uma decisão judicial. Não por acaso, o judiciário é o destino mais recorrente para a resolução dos conflitos fazendo com que estes sejam resolvidos de forma heterocompositiva.
A heterocomposição, meio mais buscado no sistema judiciário brasileiro como já dito, é, em resumo, quando a resolução advém de um terceiro com poder decisório. Na decisão, exemplo citado acima, tem-se que o juiz é o responsável por proferir a sentença, a partir de um conjunto de provas elaboradas pelas partes, muitas vezes auxiliado por um corpo técnico para subsidiar a decisão. E por mais que esta seja pautada na lei e embasada por provas colhidas no decorrer do processo, ainda carece muitas vezes de nuances, particularidades que somente as partes envolvidas têm acesso e daí decorre sua limitação, não raramente traduzida na não satisfação plena de todas as partes do litígio.
E a transformação desse momento em uma “batalha judicial” em que cada parte necessita provar que o outro está errado, a fim de intentar uma ordem judicial heterogênea mais favorável, acaba deixando ainda mais dolorida a situação, fazendo com que os vínculos que porventura existam dificilmente se restabeleçam.
Em contrapartida, os meios autocompositivos têm por princípio fomentar o encontro da solução da lide pelos próprios envolvidos, sempre com o auxílio e orientação do poder judiciário. Em casos em que sejam possíveis aplicar as formas autocompositivas, dentro da concepção de múltiplas portas de acesso à justiça[1], entende-se que as próprias partes são as mais indicadas, desde que devidamente instruídas e capacitadas, para resolver seus conflitos de forma consensual, visto conhecerem intimamente seus limites e possibilidades para além do que, muitas vezes, constam dos autos.
E antes que se possa pensar, não se trata de transferência da responsabilidade de trabalho do poder judiciário ao cidadão, mas sim de uma forma de empoderamento das partes, dando subsídios para que elas possam encontrar o melhor caminho na resolução do litígio.
O Poder Judiciário, nesse sentido, sempre se fará presente na busca pela construção da solução, promovendo uma reconfiguração dos papéis dos envolvidos. Em vez de adotar uma posição superior em relação às partes, o poder judiciário confere o devido protagonismo a elas, concedendo às mesmas as ferramentas necessárias para a tomada da decisão consciente.
Embora não seja algo novo, todavia é muito benéfico que se retome essa essência amistosa do ser humano ao privilegiar formas consensuais de solucionar os conflitos. E engana-se quem pensa que para haver acordo cada um tem que “perder” um pouco. Na verdade, o que é necessário é a prática da empatia em que cada um passe a enxergar o outro não como um adversário, mas como um aliado na construção de um novo futuro mais harmonioso, colocando-se no lugar do outro, reconhecendo as necessidades alheias e dando igual importância como se suas fossem. Assim, quase que naturalmente será necessário haver a cessão de um ou outro ponto para que haja um equilíbrio na decisão a ser tomada.
Desta forma, em suma, acaba-se por mudar também o olhar sobre a ação processual. Para além de findar o processo judicial de maneira formal, os meios autocompositivos transformam-se em caminho para uma resolução que consiga abranger todas as especificidades dos envolvidos, suas realidades, possibilidades e necessidades, com as partes sendo compreendidas como agentes na busca por um caminho que seja o mais satisfatório possível para todos, fazendo com que o acordo obtido tenha maior possibilidade de pleno cumprimento, culminando, em última análise, na promoção da paz social.
[1] Múltiplas portas de acesso à justiça diz respeito, em linhas gerais, ao oferecimento de diferentes possibilidades de resolução do conflito, a partir das especificidades de cada caso concreto.
Augusto César Pedro
Augusto Cesar Pedro, 35 anos, brasileiro, licenciado em Letras – Português/Espanhol, funcionário público estadual da área judiciária, lotado no Setor de Conciliação, fascinado pelas formas consensuais, pois possibilitam uma visão positiva do conflito, como uma oportunidade de encontrar a resolução da lide levando-se em consideração as especificidades dos envolvidos, por meio de um processo de empoderamento das partes em litígio.